Artigo publicado pela primeira vez no Linkedin 10/06/2019
Preciso de um sistema de proteção contra quedas … e agora?
Não só pelas obrigações legais, mas também pela preocupação com a segurança de seus funcionário, as empresas vem buscando cada vez mais se adequar quanto suas atividades em altura.
Os responsáveis pela segurança buscam no mercado por uma solução simples, de baixo custo e que atenda todas as suas necessidades. É neste momento que tudo fica mais complicado do que imaginavam. Descobrem que nada é tão simples e muito menos tão barato e pior, uma pergunta permanece durante todo processo: “A solução é confiável?”
Esse artigo visa dar uma luz para quem está buscando uma adequação na sua empresa. Espero que seja útil.
Pelo começo… O que é um Sistemas de Proteção contra Quedas?
Um Sistema de Proteção contra Quedas é um conjunto de componentes e equipamentos, que serão implantados em uma estrutura (pré existente ou não) com o objetivo de proteger o trabalhador de se chocar contra o solo em uma eventual queda.
Esses componentes são:
- Ancoragem – O sistema de ancoragem é o conjunto de elementos que são responsáveis por reter as forças geradas na retenção de uma queda. Envolvem a estrutura onde será instalado ou montado e o dispositivo de ancoragem (NBR 16325-1 e NBR 16325-2)
- Equipamento de proteção individual – EPI – Qualquer modelo de cinturão que atenda as normas vigentes e seja certificado.
- Elemento de ligação – é o elemento que vai conectar o trabalhador através do cinturão em um sistema de ancoragem. Pode ser um trava queda deslizante, um talabarte duplo com absorvedor e outros.
O primeiro e segundo item são equipamentos conhecidos pela maioria. Existem diversos detalhes e especificidades que são importantes na seleção, mas não serão tratadas neste artigo.
Os sistemas de ancoragem podem ser apenas um ponto de ancoragem para a conexão de uma corda como uma complexa linha de vida horizontal passando por diversos obstáculos dentro de uma planta industrial.
Dos três, o sistema de ancoragem é mais complexo e por este motivo, a implantação de um sistema de ancoragem, por mais simples que seja, podem ter seu desempenho comprometido.
Continue a leitura e descubra os fatores importantes para minimizar a probabilidade de desvios na implantação.
Qual o nível de confiabilidade que eu quero?
Esta é a decisão mais importante no inicio do processo pois impacta diretamente no custo da implantação e é uma regra simples: Quanto maior a confiabilidade, maior o custo.
O anexo II da Norma Regulamentadora 35 estabelece:
“2.3 O dispositivo de ancoragem deve atender a um dos seguintes requisitos:
- a) ser certificado;
- b) ser fabricado em conformidade com as normas técnicas nacionais vigentes sob responsabilidade do profissional legalmente habilitado;
- c) ser projetado por profissional legalmente habilitado, tendo como referência as normas técnicas nacionais vigentes, como parte integrante de um sistema completo de proteção individual contra quedas.”
Como visto, a NR35 permite estes três tipos processos distintos para dispositivos de ancoragem, agora vamos entender cada um:
Dispositivos certificados
Um produto certificado é aquele que ele passou por um longo processo de controle e monitoramento da qualidade de sua fabricação.
O produto é testado de acordo com uma norma técnica especifica de ensaio de produtos em um laboratório homologado por um órgão certificados (INMETRO) e recebe um laudo com os resultados. Junto com os ensaios, também são realizadas auditorias no processo de produção e nos fornecedores de matéria prima. Toda a cadeia de produção é monitorada e controlada para garantir que o lote fabricado atenda os mesmos desempenho da amostra testada. Este é o processo com maior grau de confiabilidade e controle.
Parece a melhor opção, mas infelizmente aqui no Brasil não temos um sistema de certificação vigente para dispositivos de ancoragem. Existe uma norma para ensaio de dispositivos de ancoragem para fins de certificação (NBR16325) mas até o momento em que este artigo foi escrito não temos nenhum laboratório com instalações adequadas para conduzir todos os ensaios conforme norma e também não existe nenhum regulamento de avaliação da conformidade por parte do INMETRO para oficializar o sistema de certificação. Apenas cinturão, talabartes e trava queda passam por este processo para obter o Certificado de Aprovação (CA) da Secretaria do Trabalho por serem considerados Equipamentos de Proteção Individual (EPI) (NR 6, Anexo I, item I e Portaria n.º 388, de 24 de julho de 2012- INMETRO).
Os produtos certificados que encontramos no mercado são na maioria de origem estrangeira e são certificados por órgãos estrangeiros. Possuem toda a infra estrutura para testar e auditar toda a produção desde um olhal de ancoragem até uma linha de vida de 200 metros.
Outro diferencial importante é a tecnologia embarcada nas soluções. Estamos falando de empresas de até 100 anos que tiveram papel importante na criação das normas que tomamos por base hoje em dia. São muitos anos de estudo, aprendizado e desenvolvimento de soluções e tecnologias para melhorar o desempenho e a segurança dos seus produtos.
Dispositivos fabricados sob responsabilidade de um Profissional Legalmente Habilitado
A grande maioria dos produtos deste tipo são de origem nacional e a diferença dos dispositivos do item anterior é que não existe um órgão certificador (terceira parte) para atestar e monitorar a produção e desempenho do sistema e a responsabilidade pelo desempenho do produto deve ser de um engenheiro do fabricante (PLH).
Isto não significa que um produto fabricado em território nacional seja de má qualidade ou não tenha controle. Existem alguns fabricantes nacionais que investem em desenvolvimento e ensaios em estruturas próprias buscando alcançar um melhor desempenho, entretanto, quem estiver implantando deve ter mais cuidado pois a ausência de certificação permite que exista fabricantes com menor zelo e cuidado na produção.
O responsável pela implantação deve conhecer o fabricante além dos panfletos de divulgação e dos discursos comerciais. Prefiram fabricantes com sistema de gestão da qualidade certificados (ISO 9001) e certifiquem-se de como estes tratam seus desenvolvimento.
Dispositivos projetados
São dispositivos projetados para uma situação particular. Tomando por exemplo uma linha de vida horizontal. Existe um apelo comercial muito grande pelo baixo custo, mas ao mesmo tempo não existe uma forma aceita ou normativa de se dimensionar uma linha de vida horizontal, e muitos acabam apenas esticando um cabo sem saber na realidade se o sistema vai suportar em caso de queda.
Algumas situações demandam que o dispositivo seja projetado pois a atividade é muito especifica e/ou as soluções de mercado não atendem. Caso contrário podemos considerar como uma economia desnecessária pois:
- Demanda mais tempo de projeto;
- Não é todo PLH que domina a disciplina e isso impacta diretamente no resultado final;
- Alguns modelos de cálculo conhecidos são ultra conservadores, a ponto de inviabilizar a implantação e desconsideram recursos como os absorvedores de energia da linha de vida.
- Por melhor que seja o projeto alguns recursos tecnológicos não serão possíveis de implantar. Fazendo um paralelo para facilitar, seria o mesmo que projetar um parafuso para fixar algum dispositivo.
Quem são os personagens desse processo?
Para entender melhor o processo de implantação temos que identificar cada personagem e suas responsabilidades:
- Fabricante – Já comentei sobre os fabricantes no artigo passado. Basicamente são as empresas que produzem e comercializam os equipamentos e dispositivos que compõe o sistema de proteção contra queda, seja esse certificado ou não;
- Projetista – Responsável por elaborar o projeto e memorial. Tem a obrigação de verificar se as soluções adotadas são viáveis de implantação. Se a estrutura irá suportar as forças transmitidas em caso de queda e todas as questões técnicas que envolvem o projeto. É muito importante que o projetista conheça todas as questões que envolvem a seleção e projeto de um sistema de ancoragem e esteja familiarizado com todas as frentes disciplinares do trabalho em altura.
- Instalador – Este novo personagem é uma empresa ou pessoa responsável pela instalação dos dispositivos e equipamentos adquiridos. É um personagem de extrema importância no processo pois uma falha da instalação pode significar o colapso de todo o sistema.
- Inspetor – Este personagem é responsável por fazer a inspeção na conclusão da instalação (1ª Inspeção) e as demais Inspeções Periódicas a cada 12 meses conforme norma e se necessário fará ensaios para embasar a inspeção.
Estes personagens podem ser pessoas, empresas diferentes como também podem ser apenas uma única empresa, porém, é importante perceber que cada um tem seu papel e pode haver conflito de interesses entre eles.
Um inspetor que fez a instalação, dificilmente irá apontar alguma falha grave no seu processo.
Finalmente – O processo
E finalmente, e não menos importante, o processo. A forma de conduzir o processo de implantação é onde se encontra a maior origem de falhas de implantação.
Vamos tomar como exemplo uma implantação de um sistema de linha de vida horizontal. Hoje o processo comum se dá de duas formas:
- O cliente procura uma empresa fabricante (de produtos certificados ou não) e este propõe uma solução pronta. O fabricante elabora uma lista de materiais e indica alguma empresa para realizar a instalação que por sua vez contrata um engenheiro projetista para adequar a documentação e recolher uma Anotação de Responsabilidade Técnica.
- O cliente procura uma empresa de prestação de serviços em altura. A empresa propõe um sistema projetado pelos materiais serem mais baratos e contratam um engenheiro projetista para adequar o sistema proposta e recolher uma Anotação de Responsabilidade Técnica.
Analisando as duas formas. um fabricante pode ter mais conhecimento técnico e até soluções com uma considerável tecnologia embarcada, mas a grande maioria das vezes ele não verificou se a estrutura do cliente é capaz de receber esta solução e nem pode garantir que a solução dele seja a mais adequada para aquela situação.
O instalador por sua vez é um prestador de serviço e, algumas vezes, sob a bandeira de uma redução de custos no material, ele adota uma solução que demande até 5 vezes mais tempo para instalar. Toda a economia no material vai para a mão de obra.
Ainda existe mais uma curiosidade nas duas formas de implantação: nas duas formas, um engenheiro é subcontratado para fazer uma adequação documental de algo proposto por um terceiro.
Pode parecer óbvio mas o processo de implantação deve começar exatamente pela atividade de estudo e planejamento, ou seja, o projeto.
Imagine um paralelo: Você quer fazer uma viagem. Na primeira opção você entra em uma loja e compra tudo que o logista fala para você comprar sem ter se decidido para onde ir. Na segunda opção você entra em um avião e viaja… também sem saber para onde ir.
Não que o logista e o avião não sejam importantes. Os outros personagens são de extrema importância, e devem ser escolhidos com bastante critério pois o processo é tão sólido quanto seu elo mais fraco. Porém eles não podem liderar um processo do qual eles não tem controle.
O projeto começa pelo mapeamento de etapas fundamentais como:
- Quantas pessoas estarão expostas ao risco?
- Como são as estruturas no ambiente onde será executada a atividade?
- Como é a atividade que será executada em altura? Como os trabalhadores acessam o local e como eles regressam?
- Qual o melhor tipo solução para esta atividade? – Neste momento será selecionada uma possível solução, mas o cliente não fara nenhuma aquisição até que seja validado em projeto.
- Qual a melhor forma de instalação? – Existe um risco na atividade de instalação. O projeto deve considerar e indicar o método de instalação, principalmente se o método envolve uma intervenção na estrutura como uso de chumbadores ou fixação de dispositivos em telhas metálicas.
O Projeto equivale a você planejar e fazer uma análise de risco antes de viajar. Nesta etapa serão considerados todos os fatores importantes que impactam na implantação e as saídas desse processo são:
- Memorial de cálculo;
- Projeto de implantação (com todas as informações como especificação e quantificação de materiais e métodos de instalação)
Um fabricante pode oferecer um projeto? Claro, mas este deve ser realizado antes de elaborar a lista de materiais e mesmo assim você nunca terá uma avaliação imparcial de todas as soluções disponíveis no mercado. O projetista do fabricante fará projetos com equipamentos do mesmo fabricante e, por melhor que seja a tecnologia embarcada na solução, o PLH deve verificar se as estruturas estão adequadas para a aplicação.
A empresa de instalação deve ser criteriosa e respeitar as instruções de instalação do fabricante e orientações do projetista e por fim o inspetor deve ser isento de interesses.
Colocando a etapa de projeto na frente das outras, você tem maior transparência, segurança e controle no processo de implantação, e, consequentemente, menos surpresas e economia.
E é claro, vale lembrar que o responsável pelo projeto deve tenha experiência em sistemas de proteção contra quedas. Por melhor que seja o profissional, se ele não estiver habituado com todos os fundamentos do trabalho em altura, este não será capaz de desenvolver uma solução adequada.
Espero que tenham gostado e, por favor, sintam-se a vontade para comentar, citar casos que ocorreram na sua empresa, ou novos temas.
Autor: MSc Eng Gustavo Carnevali Mendes
Master in Mechanical Engineering , expert in fall protection systems and product design and experimental analysis.