Artigo publicado originalmente em 2 de junho de 2020 – Linkedin
Este assunto é um dos mais antigos, polêmicos e famosos no meio de trabalhos em altura. Todo evento, palestra, seminário, feiras de segurança em determinado momento alguém levantava a mão e perguntava se o cinturão suportaria uma queda do seu colaborador, com mais de 100 kg.
Antes haviam muitas respostas evasivas, não muito conclusivas que deixava o indagador com mais dúvidas.
A boa noticia é que existe uma resposta e esta é definitiva, mas como todo bom desenvolvimento científico e tecnológico, quando uma pergunta é respondida surgem mais algumas novas perguntas.
“O cinturão suporta uma queda de um colaborador com mais de 100 kg?”
Esta pergunta é a mais comum, mas parte de um erro conceitual: a resistência do cinturão antes da integridade do trabalhador.
É claro que a maioria das pessoas com essa dúvida tem em mente o risco do cinturão se partir e o trabalhador ser lançado sem nenhum tipo de sistema de segurança, mas o ponto importante é que o cinturão suportar o impacto, não garante que o trabalhador não tenha lesões sérias.
Então vamos esclarecer alguns pontos:
Desde a publicação da NBRs com base nas normas europeias e a implantação do sistema de certificação pelo INMETRO os cinturões são testados com duas quedas de fator 2 (queda de uma altura de duas vezes o comprimento do talabarte) e os pontos são testados estaticamente com 15 kN (aproximadamente 1530 kgf). Para serem aprovados não pode ocorrer rasgamento e soltura do boneco de ensaio e outros fatores descritos em norma.
Primeira conclusão, o cinturão irá suportar com uma grande margem de segurança.
E daí surge a segunda pergunta:
“Mas em uma queda a força de impacto pode ser maior que o peso do trabalhador, mesmo assim o cinturão suporta?”
De fato, no evento de uma queda, a força de retenção ou, até melhor,a força de desaceleração, será maior que o peso do trabalhador, sendo limitado em 6kN.
Tanto a Norma Regulamentadora 35, quanto a NBR 15834 (talabartes de segurança) em conjunto com a NBR14629 (absorvedores de energia) e as normas de trava quedas (NBR 14626 – Trava-queda deslizante em linha flexível, NBR14627 – Trava-queda deslizando em linha rígida e NBR14628 – Trava-queda retrátil) permitem que seja transmitida uma força de no máximo 6 kN (611 kgf) nas situações críticas de queda e com uma massa de 100 kg.
Sendo assim, temos a nossa segunda conclusão: a legislação vigente, em conjunto com as normas técnicas de produto garantem que um cinturão certificado suporte 2,5 vezes força de retenção prevista em uma queda.
A partir deste momento a maior parte dos leitores já ficam mais tranquilos e seguros com a situação dos seus colaboradores, e eis que surge a pergunta chave sobre o peso do trabalhador:
“Os ensaios são realizados com 100 kg. E se o colaborador for mais pesado, o que muda?”
Esta pergunta vai buscar uma resposta que vai no ponto do problema e a ela podemos incluir um complemento:
“e se for mais leve? tudo bem?”
Para responder essa pergunta vamos aprofundar um pouco mais o conhecimento sobre o evento queda.
Entendendo a Queda
Uma queda livre é quando um corpo, partindo do repouso ou não, está solto no espaço unicamente sob o efeito da aceleração da gravidade.
Partindo desse princípio e recorrendo a física clássica, sabemos que o corpo em queda vai acelerando. Sua velocidade sai do 0m/s e vai aumentando em uma taxa de 9,81m/s a cada segundo (aceleração da gravidade) até que algo retenha ou pare sua queda.
Sabendo que a aceleração da gravidade age igual para qualquer corpo, a velocidade de um trabalhador de 60 kg em queda vai ser a mesma de um trabalhador de 120 kg.
O vídeo abaixo realizado em uma câmera de vácuo que ilustra exatamente esse fenômeno:
E uma nova questão surge:
“Se meu colaborador, independente do peso, vai desenvolver a mesma velocidade, então tanto faz?”
Infelizmente não, temos que considerar a energia cinética, que é a energia desenvolvida em corpos em movimento.
Sabemos que a energia cinética, dada em Joules, vai aumentando a segunda potência conforme a velocidade vai aumentando. Esta energia é descrita pela seguinte equação:
Ou seja, durante a queda, dois corpos terão a mesma velocidade, mas quem tiver a maior massa terá uma maior energia cinética e isso será importante para entendermos a influência da massa no sistema de proteção contra quedas
Uma vez que entendemos esse conceito de velocidade e massa, vamos simplificar a de uma equação de igualdade:
Com a equação acima é possível obter exatamente os mesmos resultados da equação anterior de uma forma mais direta e sem ter que passar pelas equações de movimento (se quiser saber mais sobre essa simplificação, busque por Equação de Torricelli).
Desaceleração do corpo
O ponto chave está na desaceleração (frenagem). A diferença entre um corpo parar de forma suave e se chocar contra o chão é a intensidade de frenagem desse corpo.
Os equipamentos são dotados de elementos absorvedores de energia, pois, de fato, eles absorvem a energia cinética desenvolvida durante a queda, mas para um melhor entendimento, poderíamos chamá-los de elementos de frenagem.
Adotando uma situação semelhante para melhor entendimento: Um caminhão acelerando e, subitamente, o motorista pisa no freio até o fim do curso.
É possível imaginar o caminhão que está em aceleração, passa a desacelerar. As rodas, que ainda giram, criam uma resistência para o caminhão continuar a andar (uma força contrária) e ele percorre um trecho até parar totalmente
É possível imaginar o caminhão que está em aceleração, passa a desacelerar. As rodas, que ainda giram, criam uma resistência para o caminhão continuar a andar (uma força contrária) e ele percorre um trecho até parar totalmente.
Em termos matemáticos, temos uma força sendo exercida pelos freios durante um trecho. Os freios alteram a velocidade do caminhão, e, portanto, a sua energia cinética. Na física, chamamos esta ação de Trabalho. Os freios realizam Trabalho para parar caminhão e é o mesmo que os absorvedores de energia exercem no trabalhador durante a retenção da queda com uma força constante de no máximo 6kN.
Cair no chão, seria o equivalente ao caminhão bater no muro. O corpo está com uma determinada velocidade e vai a zero (parada completa) em um curto trecho.
Juntando as partes
Visto o conceito de energia cinética e de trabalho, agora temos que juntar os dois para entender o que acontece.
O trabalhador cai…
sua velocidade aumenta e sua energia cinética aumenta ao quadrado…
quando o talabarte retém a queda e o absorvedor começa a abrir e sua abertura vai “consumindo” essa energia com uma força constante (6kN) até sua parada.
Se o talabarte não tem absorvedor, a força de desaceleração é crescente e tão grande que pode ser semelhante a cair direto no chão.
O vídeo abaixo mostra empiricamente a diferença entre ter e não um absorvedor.https:
Então concluímos que ter um sistema de absorção no sistema de retenção de queda é essencial, mas ainda não respondemos a pergunta se o trabalhador com diferentes massas está realmente protegido.
6kN ou 6G?
Apesar da Norma Regulamentadora 35 e das normas de equipamentos estabelecerem o 6kN como limite da força de desaceleração, os estudos mais antigos mostra que o corpo humano suporta de forma segura uma desaceleração de 6G (seis vezes a aceleração da gravidade, aproximadamente 58,8 m/s^2)
De onde surgiu os 6kN? As normas brasileiras são baseadas nas normas europeias onde o peso adotado do manequim é 100kg.
Sabemos que força é dada por:
Como vimos anteriormente, a força dos absorvedores é considerada constante e, portanto, quando eu tenho uma massa maior, a desaceleração é menor.
Um estudo muito importante foi feito pela Health and Safety Executive. autoria de Harry Crawford onde fica bem claro e embasado que o limite seguro do corpo humano é 6G e não 6kN.
Autor: MSc Eng. Gustavo Carnevali Mendes
Master in Mechanical Engineering , expert in fall protection systems and product design and experimental analysis.